Ensaio

Angosat-2 e as histórias que nos contam

Bruno Lara
foto/ilustração:

Mais de ano e meio depois do lançamento do Angosat-2, em Outubro de 2022,persistem muitas dúvidas e verdades a meias nos discursos e conversas de café sobre o que esperar do primeiro satélite nacional. Angola entrou na era espacial, mas há que pôr os pés na terra.

O Angosat-2, como quase todos os satélites de telecomunicações, é um simples repetidor. Recebe sinais que lhe são enviados a partir de um centro de comunicações na terra (chamado “hub”) e retransmite este sinal para os postos remotos (chamados “remotas”). O mesmo processo é feito no sentido contrário para completar a comunicação bidireccional. Lá de cima, a aproximadamente 36 mil km de altitude, o satélite consegue facilmente interligar estes dois pontos. No caso do Angosat-2, os clientes recebem todas as suas comunicações a partir da Funda, em Luanda, onde se localiza o hub. Tão simples como isso!

Desfaçamos alguns mitos.

Mito 1 - O Angosat-2 vai trazer melhor internet

Não vai!

Simplesmente, porque toda a internet que poderá vir a ser distribuída pelo Angosat-2 sairá da Funda, ou seja, é uma internet que já existe no país. O Angosat-2 não trará nenhuma nova ligação, utilizará as que já existem em Angola.

A vantagem é que o Angosat-2 poderá levar esta internet e outras comunicações a locais mais recônditos onde hoje nenhum operador se quer aventurar, pelos elevados custos de operação e manutenção. Mas para o comum cidadão que vive numa cidade ou numa vila já servidas por uma rede fixa por cabo coaxial ou fibra, ou por uma rede móvel 3G ou 4G, o Angosat-2 não vai ter qualquer impacto!

Mito 2 - O Angosat-2 vai baixar o preço das comunicações

O contributo do Angosat-2 para a resolução dos problemas de comunicação no país é ínfimo e não será sentido no bolso de nenhum de nós, utilizadores de telefonia móvel e de internet.

Dadas as capacidades de largura de banda disponíveis no Angosat-2, este terá um contributo muito pequeno para as comunicações em geral, em Angola (via satélite e outras) e mais pequeno ainda em África.

Mito 3 - O Angosat-2 não faz qualquer sentido para o país

Antes pelo contrário!

Nenhum dos pontos assinalados anteriormente faz do Angosat-2 um mau investimento. Este projecto traz grandes vantagens a nível económico e estratégico que, embora não sejam sentidas de imediato pelo utilizador comum, não podem ser menosprezadas.

A começar pelas comunicações de dados estatais. A criação de uma ou várias redes governamentais de dados fechadas (não internet!) que interliguem todas as delegações remotas às suas sedes ou ao Datacenter Nacional (projecto em curso) será, sem dúvida, um dos maiores benefícios. Também as comunicações militares e de segurança para locais remotos, tais como postos fronteiriços e bases militares distantes dos centros populacionais, sairão a ganhar.

Esta interligação feita pelo Angosat garante duas coisas fundamentais: 1) o preço em moeda nacional; e 2) a segurança dos dados (pois não transitarão por nenhum operador estrangeiro).

O reverso da moeda é que, hoje em dia, grande parte dos pontos a interligar em qualquer um desses casos está coberto por outro tipo de serviço de comunicação (cabo ou rádio), o que faz com que a percentagem de locais remotos que deverão ser servidos pelo Angosat seja pequena.

Mito 4 - Há gente a morrer de fome, o Angosat-2 é um desperdício de recursos

Embora possa ser considerado NÃO prioritário e economicamente NÃO justificado por alguns, a entrada de Angola na tecnologia espacial é bem-vinda e talvez até um pouco tardia. Hoje, mais de uma dúzia de países africanos já têm perto de 50 satélites. Até 2025, deverão ser lançados mais 100.

O argumento de que é dinheiro mal gasto e que deveria ser usado para fins sociais não me parece fazer jus. Não é o Angosat que está a tirar a comida das panelas ou as crianças das escolas. Há muitos outros milhares de milhões de kwanzas que estão a ser gastos sem qualquer projecto ou objectivo a longo termo, que podem ser reduzidos ou mesmo eliminados em prol das necessidades sociais.

Mito 5 - Angola vai vender serviços de comunicações a vários países

O Angosat-2 tem capacidade de interligar pontos em toda a África e até no sul da Europa. Isso faz com que outros operadores africanos possam ter interesse em usar o nosso satélite para efectuarem estas interligações.

No entanto, para conseguir captar o investimento estrangeiro, Angola terá que concorrer com outros operadores de serviços de satélite (não só africanos) com maior experiência, melhor serviço e preços muito competitivos. Não se pode, por isso, esperar muitos benefícios económicos na venda destes serviços, porque Angola teria que vendê-los a muito baixo custo.

Mito 6 - O Angosat-2 foi uma tragédia

Ainda bem que o perdemos!!

Graças a isso, recebemos um satélite (o Angosat-2) bem mais moderno que o original, embora, diga-se em abono da verdade, não seja o supra-sumo da tecnologia, como andam a apregoar por aí.

Para além das vantagens em termos de capacitação em tecnologia espacial dos nossos técnicos, a infra-estrutura que foi criada para suportar o Angosat-1 será usada para outros satélites, como o futuro Angeo-1, que servirá a agricultura e pescas, entre outros sectores, e com o qual uma série de serviços passarão a ser gerados e geridos por nós.

Para fechar a conversa…

O Angosat-2 vale, sim, a pena e é dinheiro bem gasto. Mas nós, comuns utilizadores de comunicações, não vamos sentir absolutamente nada de novo com a sua entrada em funcionamento. Nem na qualidade de serviço, nem nos preços.

mais artigos