A Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino n.° 32/20 de 12 de Agosto, estabelece no artigo 11.° a condição de “gratuitidade” traduzida na “isenção de qualquer pagamento pela inscrição, assistência às aulas, material escolar e apoio social, para todos os alunos que frequentam o Ensino Primário nas instituições públicas de ensino”. No número 2 do mesmo artigo, acrescenta que, “sem prejuízo no disposto no número anterior”, o “Estado deve criar condições para que os alunos que frequentam o ensino primário nas instituições público-privadas e privadas tenham o acesso ao material escolar, designadamente aos manuais escolares, em regime de gratuitidade.”
A lei é clara, mas a prática é turva. Os manuais escolares da 1.° à 6.° classe são negócio chorudo nas praças e mercados informais do país. A venda ilegal prospera aos olhos de todos e é o último recurso de milhares de pais a quem as escolas não conseguem dar o que o Estado lhes promete – livros grátis para os seus filhos. Em muitos casos, são os próprios professores que, a braços com a falta de material a tempo e horas, aconselham os encarregados de educação a comprar os manuais, apesar do selo de venda proibida estampado na capa.
Neste trabalho fotográfico, a Ngapa reproduz a título ilustrativo e de forma genérica, pontos desta rota dos manuais escolares do ensino primário. Desde que são formulados no Instituto Nacional de Avaliação e Desenvolvimento da Educação (INADE), afecto ao Ministério da Educação (foto 1), até às invariáveis bancas de mercados como o da Asa Branca (fotos 11 a 13), São Paulo, entre outros.
Pelo meio, os pontos intermédios – editoras, onde os manuais são paginados (foto 2); gráficas, onde são impressos (foto 3); Direcções Provinciais de Educação, que os recebem do Ministério da Educação através de órgãos oficiais, e os redistribuem pelas Direcções Municipais correspondentes (fotos 4 e 5); armazéns e instituições de ensino, onde são guardados ao longo da cadeia de distribuição (fotos 6 a 9); e as escolas, o suposto fim deste ciclo, mas uma peça mais de um sistema corrompido (foto 10).
Nesta rota porosa com evidentes pontos de fuga deliberados, haverá ainda supostas gráficas clandestinas que, segundo algumas denúncias, imprimem e comercializam os PDFs dos manuais, disponíveis em sites oficiais (Xilonga e Serviços Públicos Electrónicos) para os pais com acesso à internet e dinheiro para pagar a impressão.
Enquanto o Estado não esclarece e põe fim à sangria de manuais e ao roubo descarado dos cofres públicos, o resultado está à vista: uma Educação pública vendida a retalho, a léguas do seu propósito inscrito na Lei n.° 17/16, de 7 de Outubro, que lançou as bases do Sistema de Educação e Ensino em Angola (e que alicerça a legislação em vigor, de 2020): “Preparar de forma integral o indivíduo para as exigências da vida individual e colectiva”, “a fim de ser capaz de enfrentar os desafios da sociedade, especialmente na consolidação da paz e da unidade nacional e na promoção e protecção dos direitos da pessoa humana e do ambiente, bem como no processo de desenvolvimento científico, técnico, tecnológico, económico, social e cultural do país [Artigo 2.°]”.