Editorial Ngapa nº 2
O “Relatório de Riscos Globais 2025”, do Fórum Económico Mundial, destaca os principais desafios que o mundo enfrenta e enfrentará nos próximos anos. Entre os três mais significativos, estão os conflitos armados entre Estados, impulsionados pelo aumento das tensões geopolíticas; a desinformação, que ameaça a coesão social e a governação; e os eventos climáticos extremos, cujos impactos são cada vez mais graves.
O relatório ressalta, assim, a necessidade urgente de investimentos estratégicos na Educação, essenciais para promover a cultura da paz, combater a disseminação de fake news e preparar as futuras gerações para os desafios ambientais. E deixa o seguinte alerta: sem uma base educativa sólida, os Estados terão mais dificuldades em lidar com os riscos emergentes e garantir sociedades resilientes e informadas.
Este contexto tem levado especialistas do sector a reiterar a necessidade de os governos repensarem o propósito da Educação. Em geral, coincidem que as duas competências fundamentais da Educação do futuro devem ser o pensamento inovador e analítico e a aprendizagem activa.
No que diz respeito a Angola, os principais documentos orientadores da estratégia política para o sector da Educação — como a Lei de Bases do Ensino e Educação, de 2020, e o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE) 2017-2030 — demonstram que ainda há um longo caminho a percorrer. Em geral, carecem de objectivos claros e de uma metodologia eficaz para desenvolver nos alunos a capacidade de identificar, analisar e resolver problemas. Além de adoptarem uma abordagem excessivamente normativa e moralizante da Educação, mostram-se desalinhados com a realidade actual, ignorando um mundo e um continente marcados por crises permanentes e rápidas transformações sociais, como se aprofunda nesta edição em “A Educação em Angola e a Transformação Democrática”.
Esta ausência de uma orientação política clara tem sido um dos principais entraves ao desenvolvimento do sector da Educação em Angola, com efeitos directos na qualidade do ensino e nos baixos índices de aproveitamento escolar e, noutra vertente, na insuficiência de financiamento, na má execução do orçamento disponível e na ausência de lideranças capacitadas para tomar decisões eficazes.
O cenário torna-se ainda mais complexo quando o próprio Estado, de forma indirecta, incentiva uma liberalização desregulada do ensino, apesar de estar sujeito à obrigação constitucional de promover, proteger e garantir uma Educação gratuita e de qualidade para todos os angolanos.
Todas estas indefinições têm gerado distorções profundas no processo de ensino, como evidencia o mais recente relatório da Avaliação Nacional das Aprendizagens (ANA), realizado pelo Instituto Nacional de Avaliação e de Desenvolvimento da Educação (INADE). Os resultados, que ilustramos parcialmente numa infografia nesta revista, são alarmantes. Como exemplo, nos testes cognitivos padronizados de Língua Portuguesa e Matemática, aplicados a uma amostra de mais de 30 mil alunos em todo o país, apenas 17% dos estudantes da 6.ª classe foram capazes de distinguir fatos de opiniões num texto. Nas ciências matemáticas, a situação é ainda mais preocupante: apenas 14% dos alunos conseguiram realizar conversões entre unidades de medida de comprimento. No total de 54 competências avaliadas nessas disciplinas, em apenas seis, os estudantes obtiveram uma taxa de acerto superior a 40%. Perante este quadro desolador, é preciso não ter medo de uma análise aberta, crítica e sem tabus de todos os agentes educativos, que aponte problemas e caminhos.
Nesta edição damos um contributo. A conversa entre os académicos Paulo Inglês e Lando Emanuel Ludi Pedro lança deixas importantes: “Há uma dissociação entre o conhecimento que os alunos têm na escola e o conhecimento que têm na vida”; “As escolas públicas não têm projectos educativos”; “A subalternização do professor em Angola tem a ver com a culpabilização dos docentes”; “Até que ponto os manuais escolares são elementos de amputação cultural?”. Questões de fundo que exigem respostas.
Ao mesmo tempo, demonstramos e defendemos nestas páginas que se queremos uma Educação verdadeiramente transformadora, é essencial dar um espaço central à Literatura, à Dança, ao Teatro, à Música e à Arte em geral, pois desempenham um papel fundamental na maneira como compreendemos o mundo sob diferentes perspectivas e valorizamos a diversidade.
A capa e contracapa desta edição demonstram-no. Nelas reproduzimos obras de Marco Kabenda, artista angolano que nos deixou em Fevereiro passado. É uma homenagem da Ngapa a esta figura grande das artes plásticas nacionais, é certo, mas transcende a mera recordação e assume-se como posicionamento. “Mercado do Kicolo” e “Afro Picasso” representam exactamente o sentir único e a intrincada capacidade de interpretação e projecção do contexto e do mundo, que a Arte possibilita, e que deveria ser parte da nossa formação integral enquanto cidadãos. Como reforça Ana Clara Guerra Marques no artigo com o sugestivo título “Ensino Artístico e Transformação — A Arte como Motor de Mudança Social”, nunca como hoje foi tão importante discutir a valorização das disciplinas artísticas no ensino fundamental.
O espírito de transformação que marcou gerações anteriores e para as quais a Educação era uma ferramenta viva para a formação de cidadãos completos, deve ser o nosso guia nesta transformação. Ana Paula Tavares descreve-nos em “Aprender a Ler”: “Tínhamos livros, muitos livros, embrulhados em papel de jornal, e queríamos atravessar o rio pela margem esquerda para aprender a ler os sonhos, dividir a juventude, atravessar o espelho e desatar o nó que o colonizador havia segurado durante tantos anos”.
Educar, então, para quê? Para “inventar novas ideias, completar vazios e expulsar os medos”, aponta-nos a poetisa, evocando algo que nunca chegou a ser, mas que talvez ainda possamos resgatar.