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Ensino das línguas nacionais: identidade, resistência e afirmação

José Luís Mendonça | Tiganá Santana
foto/ilustração:
Arquivo Ngapa

O Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação 2017/2030 previa começar a “generalizar” a partir de 2017 “a disciplina de Línguas Angolanas de Origem Africana no Currículo” do Ensino Pré-Escolar, Primário e 1° e 2° ciclos do Secundário. Segundo o cronograma, em 2023 metade dos alunos do pré-primário à 6ª classe já teriam acesso aos materiais da nova disciplina. Dois anos depois, a realidade fala por si. Desde trincheiras diferentes, mas do mesmo lado da barricada, o escritor angolano José Luís Mendonça e o académico brasileiro Tiganá Santana posicionam-se de cara contra a “imposição político-administrativa da lusofonia”. Por uma cidadania inclusiva, plural e activamente democrática. E pelo direito a perspectivas próprias de existência.

1.

Língua do Estado Versus Língua das Nações

José Luís Mendonça

A análise da questão do estado das línguas bantu no ensino em Angola tem partido de um erro epistémico: a premissa da Angolanidade, como formatação do conceito de Nação. Aquilo a que designamos por Pátria Angolana é um enunciado lusotópico. Angola é apenas um Estado, tal como o era no final da vigência do colonialismo. A ideia de uma Nação Angolana foi ficcionada pela língua portuguesa (LP). Nós, herdeiros dessa ficção construída durante os quase cinco séculos da presença portuguesa nesta região, temos de fundar outro composto ontológico com base no Estado, afastado do conceito lusotópico de Angolanidade. A partir desta recomposição da ideia de Nação e da sua desconexão com o conceito de Angolanidade é que se deve partir para a análise do estado da(s) língua(s) de Angola.

Para onde nos transportou esse erro epistémico sobre a premissa da Angolanidade, como formatação do conceito de Nação?

Para a oficialização do monopólio da LP, conforme reza o artigo 19º da Constituição da República de Angola (CRA), que está a apagar da consciência colectiva a memória e o uso oficial – sócio-contratual – das “demais línguas de Angola” (assim as demarca o nº 2 do artigo supracitado da CRA).

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2.

Pelo reconhecimento desierarquizado das línguas nacionais angolanas

Tiganá Santana

Várias cosmologias não ocidentais colocam-nos diante do fato de que o que se chama hegemonicamente de língua, não representa necessariamente um instrumento por meio do qual, estritamente, se expressam ideias ou se manifesta a comunicação a situar as pessoas em termos culturais.

Não é sempre que língua é tomada por artifício. Pode ser uma revelação possível (na instância da poética das possibilidades) do que se inscreve como acontecimento orgânico, como entidade moradora do mundo, como entre-lugar e como o que se segreda. Tal qual o discurso-frequência do vento, podem ter chegado às pessoas, ao longo dos milhares de anos, conjuntos de frequências que se posicionam em manifestações ontológicas. Não nos reportemos às línguas-linguagem surgidas há muito tempo, em territórios mais diversos no mundo, como vetores incidentes tão somente sobre o passado. Pensemos na possibilidade de ativações presentes possíveis a partir de tal alquimia verbo-performativo-conceitual.

O que Kalunga poderia acionar hoje, no átimo mais imediato, por exemplo? O que tal palavra-fato pode-nos trazer, em realização e em suas dimensões logopaica, fanopaica e melopaica – para relembrar a conceituação de Ezra Pound –, isto é, em suas instâncias de ideias, de imagens e de sonoridade. De que forma poderiam tais ativações lexicais contribuir para que circulem outras éticas, estéticas e gnoses?  

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