O vazio é imenso como ele mesmo. Dentro dele, cada batida guarda uma promessa, um universo de possibilidades latentes, para serem moldadas ao nosso desejo. Preencher o vazio — este silêncio denso — é, por vezes, um ousado acto de coragem.
Nos espaços de passagem, onde o desgaste dos passos insensíveis se funde à rotina, a gente-relógio segue as suas rotas previsíveis. Do ponto A ao ponto B, sem desvios, sem surpresas, sem emoções. Ali, esses lugares se erguem, silenciosos, despojados de alma ou identidade, mas não de propósito. Na sua frieza, a modernidade impõe que sejam úteis e, como se hibernassem, escondem um poderoso potencial de transformação. Estes lugares rígidos, tão firmes no espaço, possuem o dom singular de influenciar encontros e despertar conexões. A mesma física que os sustenta conhece o segredo da alquimia. Com o feitiço certo, o vazio ganha alma e o espaço se torna carne, os vultos se revelam em pessoas de sonhos e vontades.
Sob este viaduto de aço e ferros, fria liga de carbono e gravidade, espaço transitório e apressado, mais uma ponte sobre uma avenida qualquer, um milagre desperta. De um pesadelo de trepidação e nuvens de fumo, renasce. Antes cinzento terraço de vidas-objecto, agora pulsa como um recanto de saber. Singular e inesperado, o vazio se enche de livros, de vozes e de conversas – 10Padronizada, a biblioteca comunitária, um acto de resistência ao conformismo. Fora do padrão, contra o padrão, o atentado literário explode como faísca, transformando o vazio em luz .
Porque o vazio, como o espaço, é público. É nosso. Ao ressignificá-lo, estilhaçamos a realidade-sombra que nos adensa, transformando-a em cor, vida e conhecimento. Rebeldes conscientes, damos nova forma ao vazio, desafiando o nada que nos querem impor.








