Matriz

A CASA DOS TIOS

Isabel Harriet Gavião
foto/ilustração:
Kumenga Kumma

Estava sol, depois de uma chuva torrencial, daquelas que deveriam ser uma bênção. Só que não. O lixo arrastado pela força da água e os quintais inundados eram indesejáveis, tal como as doenças que deles adviriam.

Entre a humidade e o calor dentro de casa e o sol que aquecia a água que cobria todos os caminhos, ela escolheu o último. Quis levantar-se da cama que dividia com Sónia, tomar banho muito rápido, vestir as suas únicas calças de ganga e uma camisola azul que trazia vestida no dia em que deixou a sua verdadeira casa. Imaginou o tecido da camisola a tocar-lhe nos braços e o medo, domado pela obediência que sempre lhe tinha sido ensinada, voltou, e viu-se a ser atirada na caçamba da carrinha dos tios que, segundo a sua mãe, lhe dariam melhor vida.

Quis sair de casa antes que alguém desse por isso. Quis ir à escola. Afinal era para isso que a tinham trazido, dissera-lhe a mãe. Mas assim que chegou a Luanda descobriu que não. Foi num dia nublado de cacimbo. A carrinha em que viajava parou diante de um portão de madeira semiaberto, inchado e gasto na base, hoje sabe devido à chuva. Pela pequena frecha, podia ver algum movimento, alguém a lavar roupa, crianças a brincar e um cão encostado a um lanço de escadas, num cochilo daqueles de fim-de-tarde. Foi levada para dentro. As outras crianças olhavam-na, especadas. Mais tarde, soube que se chamavam Elvira e Sebastião.

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