Movimento

O Presente da Escuta

Latedjou
foto/ilustração:
Arquivo Ngapa

Em Agosto do ano passado, uma querida amiga ofereceu-me um pequeno livro azul bonito. O mesmo cabia-me entre os dedos com a leveza e vulnerabilidade certeira de um diariozinho de papel. Era uma publicação da compositora Pauline Oliveros, intitulada “Quantum Listening”1. Gostei muito e achei só bonito. Recentemente li o livro. Recomecei-o numa leve presença de cama, e dias depois fui terminá-lo sentada na areia da Ilha, num início de tarde de nuvens e pouco sol.

Pauline Oliveros dedicou muito da sua caminhada de exploração artística ao que ela chamava de escuta profunda, uma prática exercida através das suas aulas, retiros, excursões, meditações sonoras e concertos. Para ela, a escuta profunda é um processo activo centrado no que é ouvido e que, em torno, tem o poder de provocar transformações diversas em quem escuta. No processo das suas experimentações, os elementos de escuta sobre os quais repousavam a sua atenção, abrangiam tanto a mágica Presença de uma série de notas imaginadas, quanto o som ou o Silêncio que reverberavam num espaço físico. No exercício de se emprestar a tudo isso, e nos convites que ela propunha, morava, de um lado, a possibilidade de nos dedicarmos à escuta dos nossos movimentos e sensações internas individuais, e do outro, a proposta de presenciarmos o que nos rodeia e que participa na formação da nossa realidade social local e mundial.

Isso me lembrou de algumas aulas de música na escola. Havia uma coisa, muito bonita, que um professor em particular fazia: convidar-nos a ouvirmos em conjunto uma música da qual gostávamos. Era um momento muito especial e particular: no fim da aula, o professor perguntava quem ia querer partilhar a tal canção, algumas mãos se levantavam, ele nos dizia quantas músicas ao todo podíamos ouvir, e acordávamos. Depois, vinha o momento de cada pessoa ir até à mesa dele para lhe entregar o CD e dizer o número para tocar. Ele ouvia atento, a pessoa-colega voltava ao seu lugar, e ele apertava no play.

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