Não é possível imaginar como será o nosso país, daqui a dez, vinte ou trinta anos, sem que todos tenhamos uma consciência mais precisa do que foram os nossos inúmeros passados. Importa investir na produção de conhecimento histórico das diferentes nações angolanas. A literatura pode também contribuir — como, aliás, vem acontecendo — para um melhor conhecimento da história do país, e para a criação de uma identidade nacional.
É sempre bom lembrar que, em Angola, os movimentos culturais — e os literários em particular —, antecederam e prepararam a insurgência nacionalista. Como afirmou Ruy Duarte de Carvalho, no início esteve a poesia. Mais recentemente, os movimentos de jovens pela democratização e pacificação, surgiram também a partir de círculos de leitura e de poesia cantada, de protesto e contestação.
No quadro de um futuro global, com o planeta ameaçado por um complexo processo de alterações climáticas, e por todas as inúmeras tragédias associadas ao mesmo, Angola conta com vantagens e desvantagens. Por um lado, temos um país relativamente coeso, sem fortes linhas de fractura, quer étnicas, quer religiosas, ao contrário do que sucede em muitos outros territórios da região, e do mundo em geral. Paradoxalmente, os longos anos de guerra civil contribuíram para fortalecer a unidade nacional. Por um lado, através da propagação, enraizamento e nacionalização da língua portuguesa, que é hoje não apenas o idioma materno de uma elevada percentagem de angolanos, mas também uma língua que atravessa e une as diferentes nações do rico mosaico étnico do nosso país; por outro lado, a guerra movimentou largas massas de populações, confundindo nesse processo pertenças étnicas, linguísticas e geográficas. Com o fim da guerra e a integração dos oficiais insurgentes nas forças armadas, estas ganharam mais independência, consistência e profissionalismo, contribuindo também para o reforço da unidade nacional.
A nosso favor temos ainda a pirâmide demográfica, isto é, a extrema juventude da população angolana. Um país de jovens está melhor preparado, à partida, para aceitar a revolução de mentalidades em curso, no que diz respeito à gestão ambiental, sem a qual a humanidade não sobreviverá. Por fim, séculos de dificuldades e de carências de todo o tipo agudizaram a criatividade das nossas populações. Acrescente-se que vimos de culturas ancestrais, que sempre souberam valorizar algo que, a cada dia, me parece mais importante para a construção do futuro — a intuição.
Contra o nosso futuro joga o termos uma economia ainda assente na exploração de combustíveis fósseis, que o mundo se prepara para abandonar. Angola precisa também de completar, com urgência, os processos de pacificação e de democratização, iniciados lá muito atrás, no início dos anos 1990.
Não podemos falar em democracia — numa democracia autêntica —, enquanto não tivermos eleições para o poder local; enquanto não tivermos um poder judiciário independente do poder político; enquanto não conseguirmos despartidarizar o aparelho de Estado.
Ora, sem uma democracia autêntica não vejo como seremos capazes de enfrentar um mundo em turbulência, que exige respostas rápidas por parte das autoridades governamentais e um alto grau de consciência cívica das populações.
Resumindo: o nosso futuro depende do conhecimento e reconhecimento dos muitos passados que vivemos. Na plena posse de todos os nossos dias, isto é, conhecendo quem somos, estaremos melhor preparados para saber o que queremos e podemos vir a ser. Os dias que aí vêm — e já os vemos vir — trarão mudanças profundas em todas as sociedades humanas. Sobreviverão aquelas que forem capazes de utilizar a sabedoria dos tempos antigos, valorizando a intuição. Sobreviverão aquelas que souberem envolver todas as suas populações, de forma pacífica e democrática, na procura de soluções para os desafios gigantescos que iremos enfrentar.
O futuro não é para os fracos. Mas Angola também nunca foi para os fracos — não é assim?
Então, que venha o futuro!